O que a pseudociência, a homeopatia e a “agrohomeopatia” têm em comum?

"Remédios" homeopáticos. Foto por Richard Craig. Flickr (CC).

Há muito tempo se tem discutido a veracidade e a eficiência dos tratamentos homeopáticos. Fato é que o mercado homeopático nos Estados Unidos da América alcançou a marca de $ 6,4 bilhões de dólares em 2012, tendo aumentado 3 % em relação ao ano anterior. A expectativa é de que em 2017 este valor aproxime-se de $ 7,5 bilhões de dólares [1]. Infelizmente é verdade que muito dinheiro é envolvido na pseudociência, mas especialmente na medicina pseudocientífica.

"Remédios" homeopáticos. Foto por Richard Craig. Flickr (CC).
“Remédios” homeopáticos. Foto por Richard Craig. Flickr (CC).

                Para entender a homeopatia temos de, primeiramente, entender a diferença entre ciência e pseudociência. Existe uma demarcação entre a ciência e a pseudociência que geralmente não é compreendida pelo público geral. Essa linha que demarca a diferença entre ambas é, na verdade, uma linha que separa o que é epistemologicamente garantido do que não passa de crença. A importância? Bem, se entendermos que a ciência é o nosso mais confiável meio de conhecimento em uma grande gama de áreas, entenderemos a necessidade de distinguir o que realmente é conhecimento científico de coisas que possam se parecer ou fazer passar por ciência. [2] Mas como distinguir entre ciência e pseudociência? Bem, para isso talvez seja necessário explicar o que é ciência. A ciência, e os cientistas, prezam pelos seguintes fatos:

  • As observações empíricas e os seus resultados devem ser claros e objetivos, i. é, utiliza-se de terminologias e definições claras e objetivas.
  • A pesquisa tem de poder ser repetida, testada e confirmada por outros cientistas. Utiliza-se de métodos rigorosos e repetíveis.
  • A ciência segue as evidências independentemente de onde os resultados chegarão (epistemologicamente neutra).
  • Envolve-se com seus pares e com a comunidade científica.
  • Segue lógicas cuidadosas e válidas.
  • É passível de mudança no surgimento de novas evidências.

A ciência se comporta de maneira a incluir em seu processo de criação de teorias, inovação e especulação. Mas, é claro, a ciência toma cuidado para que haja controle rigoroso nas afirmações de suas teorias e modelos, visando encaixá-las em estruturas lógicas, racionais e consistentes. Por isso, quando experimentos entram em desacordo com as predições científicas de leis e modelos, essas leis e modelos devem ser modificadas na sua essência, ou então “destruídas”.

Em última análise, não é tão difícil de reconhecer e distinguir pseudociência de ciência. Note que a pseudociência trabalha com:

  • A pseudociência tem deficiência de conhecimento, ou conhecimento superficial acerca das ciências bem estabelecidas.
  • É, normalmente, hostil às críticas, tanto dos seus pares como da comunidade.
  • Utiliza-se de jargões, terminologias e definições confusas, evasivas e subjetivas.
  • Conclusões que vão além do que as evidências demonstram.
  • Utilização apenas das evidencias favoráveis, confiando em evidencias anedóticas.
  • Utiliza-se de métodos muitas vezes falhos e/ou não repetíveis.
  • Utiliza-se de lógicas inválidas e/ou inconsistentes.
  • É, per se, dogmática e não produtiva.
  • Ao ser testada sempre falha nos testes.
  • Prediz resultados contraditórios às ciências bem estabelecidas e testadas.
  • Pseudocientistas frequentemente alegam que “nada é coincidência”.
  • Pseudocientistas são obsessivos quanto a encontrarem dados com um padrão estabelecido. Enquanto cientistas aceitam os fatos e as evidências sem buscar um padrão para eles.
  • Pseudocientistas normalmente cometem alguns erros abusivos ou mau uso da estatística.
  • Pseudocientistas são motivados por considerações ou conclusões que saem do escopo da ciência, ou foram desacreditadas mesmo. *
  • Todos os que não enxergam a verdade do pseudocientista são taxados de “cegos” pelos mesmos.
  • São normalmente regidas por ideologias, cultura ou interesses comerciais.

Exemplo: A visão criacionista de que a ciência deve estar em harmonia com as suas interpretações particulares da tradução de King James da Bíblia. [3]

Reconhecer a pseudociência pelo seu resultado final é, geralmente, fácil. O problema é reconhece-la ainda na formação das hipóteses, ou especulações. Imagine essa situação:

  1. “A noção de que partículas hipotéticas (tachyons) podem viajar com velocidade superior à da luz é uma ideia pseudocientífica? Bem, essa especulação foi proposta por cientistas com credenciais perfeitamente respeitáveis, bem como outros respeitáveis experimentos dispenderam tempo para buscar tais partículas. Nada foi encontrado. Não esperamos encontrar nada em relação a isso, mas nós não consideramos a ideia como não-científica.” [3]
  2. “É científico especular que poderia se construir uma máquina de movimento perpétuo que poderia funcionar para sempre com saída de energia, mas sem ter entrada de energia? A maioria dos cientistas diria que não é uma ideia científica.” [3]

Bem, ocorre que a diferença entre as duas é que o exemplo b fere leis e princípios da física que são muito bem estabelecidos. Por esse motivo, ela é considerada uma hipótese não-científica. Outro subterfúgio utilizado é o de “É apenas uma teoria”. Bem, em uma roda de conversas ou em uma mesa de bar, uma “Teoria” tem conotação de opinião, conjectura ou suposição. No entanto, para a ciência, “Teoria” significa algo mais restrito. Uma teoria científica é um esforço de explicar algum aspecto da natureza do mundo, em termos de evidencias ou observações empíricas. Normalmente se obtém como resultado, obviamente, com a intenção de generalizá-las utilizando consistentes sistemas lógicos, um bom modelo ou estabelece princípios e conhecimentos que permite aos cientistas entender e/ou predizer uma grande faixa de um fenômeno. Por isso, todas as teorias científicas são repetidas e sujeitas a serem testadas e modificadas. Em suma, teorias não podem ser provadas corretas, sempre irá haver a possibilidade de observações detalhadas desaprovarem a mesma. Uma teoria que não pode ser refutada não é uma teoria científica. [4]

                Na ciência, fazem-se observações e, em seguida, hipóteses são formadas, os dados brutos são reunidos e os testes estatísticos realizados. Por conseguinte, se os resultados suportam a sua hipótese, a teoria é formulada. Se qualquer evidência, nesse sentido, invalidar a conclusão, a conclusão deverá ser alterada ou até mesmo rejeitada, no seu lugar, uma nova teoria deverá ser buscada. Enquanto isso, na pseudociência, começa-se com uma conclusão sólida –é aqui que a homeopatia entra- e então formam teorias para explicar como isso funciona, coletam dados que suportam a conclusão e rejeitam ou tentam explicar os dados que estão em desacordo com o que pensam ou acreditam. Nesse sentido, com esse sistema, nenhuma evidência é capaz de contradizer ou refutar a conclusão. [5]

                Também, a homeopatia encaixa-se no perfil de falta de mecanismos de funcionamento. A pseudociência, nesse sentido, é caracterizada pela completa falta de mecanismos viáveis e explícitos de ação para o objeto que se é estudado. Na ocasião de aceitar uma situação como um fato, ainda assim não haverá, para a pseudociência, nenhuma ideia clara de como o fenômeno ocorre ou como ele poderia trabalhar. Não há, nesse contexto, nenhuma proposta clara e/ou plausível de mecanismos que expliquem como aparições devem ser gravadas em rochas, nenhum mecanismo claro de como a astrologia influencia os comportamentos humanos, nenhum mecanismo claro de como a mende poderia sobreviver à morte do corpo ou, como líquidos podem “ter memória” (como é reivindicado/sustentado pela homeopatia).[5]

                O fato de que uma ideia é pouco clara faz com que torne-se difícil de testar ou repetir essas ideias, tornando-as impossível de serem provadas falsas/refutadas. Nesse sentido, uma ideia pode ser pouco clara pela sua linguagem verbal, entre outros motivos. Mesmo quando exemplos como esse não são um problema nesses estudos, ainda assim há a presença de uma falta de mecanismos explícitos para poder se trabalhar. Mesmo a mais clara e melhor explanação sobre homeopatia, aparições, saúde alternativa, e fenômenos físicos continua falha na definição de um mecanismo específico para explicar como o fenômeno trabalha. Apesar de a falta de mecanismo não ser, per se, uma evidência contra a existência da ocorrência de um fenômeno, a falta de sequer um mecanismo plausível mesmo que à espera de verificação não é particularmente uma evidencia convincente para que isso seja genuíno. Isso ocorre porque existem muitas áreas da ciência experimental em que os mecanismos de ação não são bem entendidos, no entanto, mesmo assim, existirão alguns fatos ou conhecimento que proverão uma pequena estrutura para pensamento. Além disso, apesar dos mecanismos não serem bem conhecidos, alguns mecanismos hipotéticos devem ser lançados para futuros testes que guiarão para uma futura experimentação e, aí sim, uma nova teoria. [5]

                Outro grande fator normalmente envolvido na pseudociência são as teorias das conspirações. A pseudociência é, segundo os pseudocientistas, uma verdade que “eles” – seja lá quem “eles” forem- não querem que você saiba. Seja lá quem forem “eles”, são acusados frequentemente pelos pseudocientistas de suprimir as evidencias para os seus próprios benefícios. Por exemplo, a “real” cura do câncer é suprimida pela “grandiosa indústria farmacêutica”, pois dessa forma eles podem continuar a manter seus lucros exorbitantes vendendo “drogas inúteis” enquanto as pessoas morrem. [5] Agora, como os teóricos da conspiração ficaram sabendo dessas evidencias suprimidas pelas pessoas de poder, nunca foi explicado.

                Enfim, a pseudociência pode ser descrita como teorias, metodologias, práticas que reivindicam ser cientificas, mas que são apresentadas em modelos de tal maneira que não podem ser testadas e/ou repetidas e refutadas por testes empíricos.

HOMEOPATIA

“Os “remédios” homeopáticos são inofensivos, mas as suas falsas crenças associadas não o são. Quando pessoas são saudáveis, pode não importar no que elas acreditam. Mas quando sérias doenças atacam, as falsas crenças podem levar a desastres.” [6]

A homeopatia é um processo onde repetidas diluições são feitas juntamente com um processo de “mistura” ou homogeneização. Uma preparação de uma substância, normalmente provenientes de plantas ou animais, em água e álcool. Após a diluição, o “remédio” é encapsulado.

A homeopatia, em diversos estudos, foi considerada ineficaz como um remédio, não sendo mais eficaz do que um placebo.

Um estudo da Australia’s National Health and Medical Research Council (NHRMC) concluiu que “não existe nenhuma evidência confiável de que a homeopatia é eficaz” [7]. A pesquisa, na ocasião, foi realizada por um comitê de médicos [8], que concluíram, na revisão, que nenhum impacto em diferentes condições e doenças foi observado. A pesquisa foi feita em forma de meta-estudo, nessa ocasião, avaliaram diversos outros estudos. Nesse caso, muitos dos trabalhos encontrados que diziam que a homeopatia era efetiva foram julgados de delineamento experimental pobre, mal conduzidos, com pouca amostragem (i.é, participantes), ou os três. Uma boa parte dos estudos visava comparar a homeopatia com outros remédios, no entanto, isso é feito apenas quando se há confirmação de que o remédio é eficiente (após compará-lo com placebo). Os pesquisadores encontraram estudos que compararam a homeopatia com placebo para 55 diferentes condições de saúde. Para 13 das condições testadas, a homeopatia foi considerada não mais efetiva que placebo para: todos os estudos encontrados (sem selecioná-los por quantidade amostral e/ou qualidade) e com a maioria desses estudos sendo tidos como confiávels (boa qualidade, delineamento experimental bem feito, e numero amostral suficiente). Para 14 das condições de saúde, alguns estudos reportaram que a homeopatia é mais efetiva que placebo, mas esses estudos encaixaram-se nos não fidedignos (problemas experimentais supracitados). Nesse sentido, para 29 condições de saúde testadas, apenas um estudo foi encontrado que comparava a homeopatia com placebo, no entanto esses estudos foram determinados como não confiáveis, pelos problemas supracitados. Conclusões da NHRMC:

  • “Não há nenhuma evidência confiável de que a homeopatia é efetiva no tratamento de doenças.”
  • “Pessoas que escolhem homeopatia ao invés de tratamentos convencionais comprovados podem estar colocando a saúde em risco se os tratamentos baseados em evidencias forem rejeitados ou atrasados em detrimento do tratamento homeopático”
  • “A homeopatia não deveria ser utilizada para tratar condições que são consideradas sérias, ou que poderiam tornar-se sérias.”
  • “Pessoas que estão considerando se usam homeopatia deveriam primeiro procurar um profissional médico. Aqueles que utilizam homeopatia devem avisar aos seus profissionais médicos, e devem manter os seus tratamentos convencionais prescritos à elas.”[9]

AGROHOMEOPATIA

A dita “agrohomeopatia”, ou homeopatia aplicada às plantas, faz uso de métodos parecidos ou similares ao da homeopatia humana. Ao pesquisar sobre a agrohomeopatia, nenhum trabalho em revistas de alto impacto foi encontrado. Buscava estudos nos moldes em que se faz quando testa-se um novo produto químico, algo como isso. Não encontrei. Mas, penso comigo, será que o efeito placebo funciona às plantas? Bem, segundo algumas mentes mais férteis, os efeitos da homeopatia em plantas são mais visíveis quando as mesmas são submetidas a períodos de intensa estiagem.


Referências:

1: http://www.nutraceuticalsworld.com/issues/2013-07/view_industry-news/us-sales-of-homeopathic-herbal-remedies-reach-64-billion

2: http://plato.stanford.edu/entries/pseudo-science/

3: https://www.lhup.edu/~dsimanek/pseudo/scipseud.htm

4: http://www.chem1.com/acad/sci/pseudosci.html#THEORIES

5: http://www.critical-thinking.org.uk/pseudoscience/what-is-pseudoscience.php

6: http://www.homeowatch.org/

7: https://www.nhmrc.gov.au/_files_nhmrc/file/guidelines/developers/nhmrc_levels_grades_evidence_120423.pdf

8: http://www.nhmrc.gov.au/health-topics/complementary-medicines/membership-homeopathy-working-committee

9: http://consultations.nhmrc.gov.au/files/consultations/drafts/nhmrcdrafthomeopathyinformationpaper140408.pdf

Leituras sugeridas:

Uma Introdução à Homeopatia

Uma defesa a Hahnemann, mas não à Homeopatia

“Homeopatia não funciona”, diz estudo

http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/12492603

http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/9310601

http://healthimpactnews.com/2015/how-can-homeopathy-be-both-a-useless-placebo-and-dangerous-at-the-same-time/

http://www.1023.org.uk/faq.php

http://io9.com/10-pseudo-science-theories-wed-like-to-see-retired-fore-1592128908

https://racionalistasusp.wordpress.com/tag/homeopatia/

2984552937_c88b423882_z(1)

http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed?cmd=Retrieve&list_uids=16125589

About André Guilherme Daubermann

Estudante de Doutorado em Fisiologia e Bioquímica de Plantas (ESALQ - USP). Mestrado o em Fisiologia Vegetal na Universidade Federal de Lavras (UFLA - Lavras-MG). Engenheiro Agrônomo formado na Universidade de Passo Fundo (UPF).

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2 Comentários em “O que a pseudociência, a homeopatia e a “agrohomeopatia” têm em comum?”

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